domingo, janeiro 29, 2006

Filme: Vinícius

Quem Pagará o Enterro e As Flores Se Eu Me Morrer de Amores?

Existem certos espetáculos que parecem ser feitos, inquestionavelmente, para sensibilizar e agradar todas as pessoas que admiram a arte e as suas diversas formas de expressão.

Esta parece ser a proposta de “Vinícius”, um filme que através de uma admirável habilidade artística e uma perceptível riqueza de detalhes, consegue atingir e conquistar todos os espectadores, demonstrando a vida e a obra de um poeta, que marcou a história da literatura brasileira, e demonstrou, através da música e da poesia, como é importante curtir cada momento da vida para ser feliz.

Misturando música, poesia e dramaturgia, o filme se transforma em um comovente “pocket-show”, que ao longo do roteiro, intercala apresentações de poemas, depoimentos de pessoas que conviveram com o poeta e imagens de marcantes momentos da vida pessoal e profissional do compositor.

O espetáculo se inicia com a narração da crônica de Rubem Braga, escrita em 1980, em homenagem ao amigo, depois de dois meses da sua morte. Com o intuito de demonstrar ao companheiro como a sua ausência lhe causava tristeza e como ele sentia sua falta, o escritor declama... “Meu caro Vinicius, escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou. É a primeira desde 1913 sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua. E nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas que usavam minissaia. Parece que a moda voltou nessa primavera”.

Ao longo da filmagem, imagens do Rio de janeiro, nas primeiras décadas do século passado, em conjunto com memórias familiares e arquivos jornalísticos, retratam a infância, as paixões e os amores deste advogado, diplomata e poeta que desde sua concepção, já se encontrava em um mundo de puro talento.

Filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário da prefeitura, poeta e violonista amador, e de Lídia Cruz de Moraes, pianista também amadora, Vinícius morava em uma casa cercada por muita música, dança e alegria, onde seu tio Henrique de Melo Moraes e outros compositores se encontravam quase em todos os finais de semana.

Intercaladas às apresentações e narrações, as filhas do compositor, Susana, Georgina, Maria e Luciana, além de amigos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Carlos Lyra, Edu Lobo, Toquinho, Gilberto Gil, entre outros, declaram interessantes e curiosas experiências que viveram com o autor, contribuindo, de maneira fundamental para a composição do enredo.

Tônia Carrero, amiga muito presente na vida do poeta, com quem o mesmo desfrutou confidências e momentos de melancolia, diz, emocionada, que Vinícius era uma pessoa que amava a vida e todas as pessoas que ele envolvia. Por isso, gostava de apaixonar-se diversas vezes e viver rodeado por pessoas. Eram essas paixões que sustentavam sua alegria e sua vontade de escrever, trabalhar e produzir. “Ele era capaz de qualquer baixeza por um amor”, afirma, com humor, a atriz.

Assim, Vinícius casou-se nove vezes. Todas as mulheres são apresentadas no documentário. Através de fotos e de uma narração, delicadamente estruturada, o relacionamento pessoal do compositor com as companheiras é destacado, em todos os momentos, como um fator determinante para as suas ações e, principalmente, para a sua escrita.

"Era o amor que alimentava sua poesia", afirma Tônia Carrero. "Ele precisava do precipício da paixão para viver". Porém, Toquinho, amigo e companheiro de trabalho do autor, afirma que “a grande angústia da vida de Vinícius era saber que ele jamais encontraria a mulher de sua vida”. Por isso tentou tantas vezes e, paradoxalmente, não conseguia ser infiel. Enquanto duravam, suas relações eram muito fortes e incandescentes, assim como descreveu, claramente, em um de seus poemas: "que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure".


Entre as palavras mencionadas, a que mais chama atenção em relação ao poeta é a generosidade. Em conjunto com adjetivos como afetuoso, solidário, divertido, aglutinador e harmonizador, é possível perceber a essência da personalidade de Vinícius. Ao tentar descrever o companheiro, Edu lobo declara: “uma vez eu estava em casa, assim meio a toa, Vinícius telefonou para mim e disse: Liguei só para saber se está tudo bem...”.

Em fim, são inúmeras, interessantes e gostosas as informações que esse magnífico filme, habilmente, concebido e elaborado, oferece a todos os seres humanos. Através da união da música, do ritmo, da rima e da poesia ele demonstra, prazerosamente, como a vida é repleta de momentos simples e cotidianos capazes de despertar emoções e sentimentos tão verdadeiros que, assim, se tornam insubstituíveis. Como afirmou Ferreira Gullar ao falar sobre a poesia e as características de Vinícius, "Ele ensinou o povo brasileiro a ser feliz".

Flávia Amazonas de Azevedo

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